Marcela entra, a porta estava aberta e o interfone tocou sem ninguém atender por muito tempo, o porteiro já conhecia a melhor amiga de Vandinha e a deixou subir. Marcela tinha o ar preocupado, suas grossas sobrancelhas delineadas quase se juntavam de tanta expressão, trajava uma roupa branca e andava pelo apartamento procurando responder algumas dúvidas... Viu o copo e a garrafa de Uísque vazia em um canto do sofá, no banheiro achou os remédios controlados. Marcela respirou profundamente, precisava tomar alguma atitude, para proteger sua amiga.

Marcela sentou na cama, Vandinha dormia profundamente, Marcela diz com voz doce:
- Vandinha... Vandinha... Já é meio dia... Você não vai acordar não?

Vandinha abre os olhos azuis mareados por uma ressaca, vê Marcela com aquele ar que ela já conhecia, teve vontade de virar-se e voltar a dormir, mas o enjôo e o mal estar não deixaram, teve que escutar o sermão de sua preocupada amiga:

- Porra Vandinha! Você voltou a beber! E pior, você ainda ta tomando aqueles remédios... O que houve? Você só fica nessa merda de apartamento, trancafiada. Hora de voltar aos tratamentos Vanda.
-Marcela, to bem... Hoje é sábado? Cassete! Quase pensei que tinha que trabalhar...
Vandinha procura os óculos. Acha-os e coloca de forma preguiçosa, faz cara de não estar bem e tentar levantar-se sentando na cama... Marcela diz:
- Você está bem? Vamos, vou te ajudar...
Marcela ajuda à amiga se levantar, leva-a até o banheiro e ajuda a tirar a roupa, trajava um pijama com estampas de ursinho e pantufa de bichinho, era um estado deplorável, parecia mais uma idosa abandonada do que uma jovem de 25 anos, Marcela liga o chuveiro... Diz:
-Vandinha, vou fazer um café...
-Tá...

Marcela sai, Vandinha corre para a porta e tranca-se... Olha-se no espelho, tira os óculos e vê o reflexo de alguém que não conhece, coloca os óculos de volta a fim de tentar se reconhecer, mas em vão... Aquela sensação ia além do espelho, estava na alma. Continua a olhar suas carnes brancas, os seios, a barriga e acha-se horrorosa. Vandinha chora, tem raiva de si, medo... Lembra-se do abuso... O abuso que sofreu quando era uma criança inocente, a confusão de sentidos, o confiar em alguém que se aproveita disso... Chora mais, soluçante, anda para trás e escorrega pela parede em posição fetal. Sua cabeça zunia e não tinha certeza se o que pensava era realidade ou imaginação... Será que ela esteve mesmo com um homem noite passada? Ou tudo não passava de fruto da sua imaginação? Vandinha não sabia...
Marcela bate na porta.
-Vanda? Já acabou...

Vandinha volta para a realidade, olha para o chuveiro aberto, entra na água e toma um banho, como se estivesse lavando a alma...


O sábado correu de maneira estranha. Incomodava Vandinha o fato de o homem que a obrigou fazer sexo estaria esperando hoje por ela no mesmo lugar. Incomodava mais pelo fato de ela estar pensando nisso, e se pensava, cogitava a possibilidade... Coçava-se, respirava fundo, os tiques nervosos começaram... Olhou a porta, não podia ficar em casa pensando e remoendo toda aquela explosão de sentimentos, Vandinha sabia que estava em uma crise psicológica, mas era mais forte que ela, tomou alguns de seus comprimidos, precisava se acalmar... Pegou a chave e saiu do apartamento, precisava beber alguma coisa, espairecer. Aquela agonia a consumia...   
                                                       *
A garrafa de Uísque na mão, embalada por uma sacola da loja de importações... Vandinha sentia-se derrotada, mas precisava chegar em casa para beber aquela garrafa. Gostava da solidão e queria beber sozinha aquela garrafa, ver um filme daqueles que passam na frente dos olhos e já são esquecidos imediatamente...  Saber que alguém a esperava, por mais que fosse naquela terrível situação, a instigava, mexia com seu coração perturbado. Precisava beber, beber e esquecer aquilo, aquela vontade absurda!

Vandinha para na entrada da rua escura a qual o homem misterioso estaria esperando. Olhou a outra opção de caminho, sabia que existia outro caminho, um pouco mais longo, porém naquele momento pensar em distancia era bobagem. Não, Vandinha não estava pensando em distancia, pensava em tudo naquele momento, menos na distância do caminho até sua casa.

Caminha na rua que caminhou ontem... O coração bate forte, uma mistura de medo e excitação, adrenalina, tudo misturado. Sentiu vontade de fazer xixi... Pensou alto:
-Droga! Não dei nem uma bitoquinha nessa merda de Uísque! 

Avistou o homem encostado no carro fumando um cigarro. Ela parou, ficou paralisada por alguns segundos... Na verdade Vandinha não sabe quanto tempo ficou paralisada, quando se deu conta o homem já se aproximava. Saiu correndo pelo caminho mais longo, o grito prendeu na garganta, como em um pesadelo sufocante, mas as pernas... As pernas correram mais que as batidas do seu coração. Ouvia o homem gritar atrás:
-VANDINHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!

Vandinha agoniza no portão do seu prédio, o porteiro abre a porta e ela passa correndo, escuta algumas palavras do porteiro, mas não entende ao certo o que ele disse...

No seu apartamento entra, tranca a porta, muito ofegante, corre para o móvel que tem na sala o qual chama de “barzinho”, abre nervosamente a garrafa de Uísque, bebe, a mão treme, o interfone toca. Vandinha atende o interfone, tremula:
-Sim
-Dona Vandinha, o Seu Mathias, ta aqui na portaria...
Vandinha treme.  Mathias... Quem porra era Mathias? Vandinha corre para ver na sua TV as câmeras de segurança e vê na portaria o homem do carro... Sua mente confunde as coisas... Vanda quase desmaia, volta para o interfone, diz para o porteiro:
-Seu Jonas, manda esse cara embora! Senão... Senão...Vou chamar a polícia!!!
Vanda desliza o interfone pelo seu rosto. Pode escutar Seu Jonas dizer:
-Acho que ela ta “naquele” estado...

Não coloca o interfone no gancho, agacha-se e fica ali na cozinha inerte...

Continua... Última parte.

2 Comentários

  1. Boa noite, Fabiana.
    Muito boa essa sequência, parabéns.
    Gosto desse tipo de história onde se consegue ver pelo que a personagem está passando.
    Abraço, Fabiana.

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